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A vulnerabilidade do homem no Direito de Família e a Lei Maria da Penha
Introdução
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi um marco na proteção dos direitos das mulheres no Brasil, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar e buscando promover a igualdade de gênero. Inspirada na história de Maria da Penha Maia Fernandes, a norma tem como fundamento a proteção da mulher em situação de vulnerabilidade, garantindo-lhe medidas protetivas de urgência e meios eficazes de acesso à Justiça.
Entretanto, com o passar dos anos, o debate jurídico e social acerca da aplicabilidade exclusiva da lei às mulheres tem ganhado novas perspectivas, especialmente no tocante à vulnerabilidade masculina no âmbito do Direito de Família. Casos de violência psicológica, moral, patrimonial e até física contra homens em relações afetivas têm se tornado mais visíveis, levantando a discussão sobre a necessidade de proteção jurídica igualitária entre os gêneros nas relações domésticas.
O princípio da igualdade e a proteção diferenciada
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Esse princípio de igualdade formal e material é o alicerce do Estado Democrático de Direito. No entanto, a igualdade material permite ao legislador criar medidas específicas para grupos historicamente vulneráveis, o que justifica, em parte, a criação da Lei Maria da Penha, voltada à proteção das mulheres diante da histórica desigualdade de gênero.
Contudo, a proteção diferenciada não pode se tornar exclusão de tutela para outros grupos que também se encontrem em situação de vulnerabilidade. Em muitas relações familiares, o homem pode ser vítima de violência — física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral —, mas enfrenta obstáculos para denunciar e obter amparo do Estado, tanto pela falta de previsão legal específica, quanto pelos estigmas sociais que associam a masculinidade à invulnerabilidade.
A vulnerabilidade masculina nas relações familiares
A vulnerabilidade do homem no contexto familiar pode se manifestar de diversas formas. No campo emocional, muitos homens são vítimas de violência psicológica, caracterizada por humilhações, ameaças, chantagens emocionais e manipulação afetiva. Há também casos de violência patrimonial, quando o parceiro é impedido de acessar seus bens, tem seus rendimentos controlados ou sofre prejuízos financeiros deliberados.
Além disso, em situações de separação ou disputa de guarda, alguns homens relatam a ocorrência de alienação parental, uso indevido de medidas protetivas ou acusações falsas de violência doméstica, o que os coloca em posição de extrema fragilidade perante o sistema jurídico e social. Embora tais situações não sejam a regra, sua ocorrência demonstra a necessidade de um olhar mais amplo e equilibrado do Estado e da sociedade sobre o fenômeno da violência doméstica.
A aplicação restrita da Lei Maria da Penha e seus efeitos
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm entendimento consolidado de que a Lei Maria da Penha se aplica exclusivamente às mulheres, em virtude de seu objetivo protetivo e da natureza da violência de gênero. Assim, quando o homem é vítima de violência doméstica, aplica-se o Código Penal e a Lei nº 9.099/1995 (Juizados Especiais Criminais), o que limita as medidas de urgência e a celeridade do atendimento.
Essa ausência de um instrumento equivalente para os homens cria uma lacuna no sistema jurídico. Muitos acabam sem proteção imediata, mesmo diante de ameaças ou agressões, porque as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha — como afastamento do lar, proibição de contato e proteção policial — não são aplicáveis por analogia inversa. Em consequência, há uma assimetria legal que, embora justificada pelo contexto histórico de violência contra as mulheres, gera desigualdade prática quando o homem é a vítima.
A necessidade de políticas públicas e de uma abordagem inclusiva
A solução para essa questão não reside na revogação ou enfraquecimento da Lei Maria da Penha, que continua sendo essencial à proteção das mulheres. O caminho mais adequado é a ampliação das políticas públicas e instrumentos jurídicos de enfrentamento à violência doméstica, de forma neutra em relação ao gênero e sensível às diferentes formas de vulnerabilidade.
É necessário promover campanhas de conscientização sobre a violência contra homens, incentivar canais de denúncia acessíveis e sem preconceitos, e capacitar profissionais do sistema de Justiça para lidar com tais situações de modo equilibrado e humano. Além disso, seria pertinente o debate legislativo sobre a criação de uma lei de proteção à pessoa em situação de violência doméstica, que abarque todas as vítimas, independentemente de gênero, orientação sexual ou papel familiar.
Considerações finais
A Lei Maria da Penha representa um avanço civilizatório na defesa dos direitos das mulheres e na luta contra a violência de gênero. Contudo, é inegável que, dentro do Direito de Família, a vulnerabilidade masculina ainda é um tema negligenciado. A sociedade contemporânea, plural e dinâmica, exige que o Direito acompanhe as transformações sociais, reconhecendo que a violência doméstica não tem gênero, embora tenha raízes históricas em desigualdades específicas.
Reconhecer a vulnerabilidade do homem não significa negar ou minimizar a violência contra a mulher. Significa, sim, afirmar o princípio da dignidade da pessoa humana e assegurar que todos os cidadãos, independentemente de sexo ou identidade de gênero, tenham acesso igualitário à proteção do Estado.
Portanto, é necessário um olhar mais inclusivo e equilibrado do Direito de Família e das políticas públicas, para que o combate à violência doméstica se torne verdadeiramente universal, justo e eficaz. Somente assim o sistema jurídico brasileiro poderá cumprir, de maneira integral, seu compromisso com a igualdade, a justiça e a dignidade de todas as pessoas
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